Pause
Current Time 0:10
/
Duration Time 0:11
Remaining Time -0:00
Stream TypeLIVE
Loaded: 0%
Progress: 0%
0:10
Fullscreen
00:00
Unmute
Playback Rate
1
    Subtitles
    • subtitles off
    Captions
    • captions off
    Chapters
    • Chapters

    Está o desporto adaptado à deficiência?

    Bolsas e prémios equiparados aos olímpicos e recorde de atletas na preparação para Tóquio. O retrato da (nova) realidade paralímpica em Portugal.

    55 atletas a caminho de Tóquio

    Nunca houve tantos desportistas num Programa de Preparação Paralímpica. Lista pode sofrer alterações.

    O Estádio Municipal de Mangualde abre portas para um novo treino de Miguel Monteiro. Aproveita a tarde livre da escola para fazer aquilo que mais gosta: lançamento do peso. É mais um dia de preparação tendo em vista o apuramento para os Jogos Paralímpicos 2020. O jovem de 18 anos faz parte de uma lista de atletas que estão a ser financiados pelo Governo para se tentarem qualificar para a competição que se realiza em Tóquio, no Japão. Para já estão 55 nomes, o que constitui um recorde.

    “O ciclo paralímpico tem passado um bocado rápido”. As palavras são do atleta mais novo de sempre a competir por Portugal nos Jogos Paralímpicos. Miguel, portador de nanismo, tinha 15 anos e apenas dois na modalidade. A velocidade com que tudo aconteceu na carreira do, na altura, menor de idade contrasta com o aquecimento cuidado e meticuloso do lançador mangualdense.

    Aproveita o corredor do salto em comprimento para iniciar o treino. “Tudo começou quando o meu treinador me foi buscar em setembro de 2014”. Lembra o momento em que João Amaral o observou numa prova de futsal para anões, no País de Gales, e foi ter com ele. O técnico diz que ficou “impressionado” com as suas capacidades físicas e quando chegou a Portugal pediu autorização à mãe de Miguel para o levar para o atletismo.

    O jovem atleta aumenta, em crescendo, a intensidade do aquecimento sob as ordens do treinador: “mais rápido e mais forte, Miguel”. Segue as indicações e acelera, mas é impossível acompanhar a forma repentina com que conseguiu chegar à prova mais importante de todas.

    Em 2016, três meses antes dos Jogos Paralímpicos, estreou-se com as cores de Portugal, no Campeonato Europeu do Comité Paralímpico Internacional (IPC), em Grosseto, na Itália, e conquistou a medalha de bronze.

    Quando Miguel pensava que a prova europeia tinha sido a última da época, eis que recebe a notícia da convocatória para os Jogos Paralímpicos. Na primeira chamada não constava o nome do atleta, mas com a exclusão da Rússia da competição, por parte do IPC, devido ao escândalo de doping montado no país, os países participantes puderam chamar mais gente.

    Portugal não foi exceção e Miguel garantiu o bilhete para o Rio de Janeiro com apenas 15 anos, tornando-se no atleta mais novo de sempre a representar o país no evento. “Não estava à espera, mas foi muito especial”, recorda o jovem.

    Seguiu-se a competição e Miguel conseguiu bater três vezes o recorde nacional na classe F40 do lançamento do peso, cifrando-o nos 8,89 metros. Valeu-lhe o quinto lugar. Entretanto, essa marca foi superada no ano seguinte, quando se sagrou campeão do mundo de juniores, na Suíça, e ganhou a prata no mundial, a nível absoluto, no Reino Unido.

    Dirige-se para o círculo de lançamento para iniciar a parte mais técnica do treino. João Amaral, treinador da Casa do Povo de Mangualde há 35 anos, clube pelo qual Miguel compete, acredita que os mais recentes resultados, dos quais se destaca o título de campeão do mundo de juniores, conquistado na última semana, na Suíça, e a “capacidade de superação” do seu pupilo podem levar a uma “agradável surpresa” em Tóquio.

    Lenine Cunha. O atleta mais medalhado do mundo que ‘apenas’ quer marcar presença em Tóquio

    No ano em que Miguel nasceu, em 2000, Lenine Cunha estreou-se nos Jogos Paralímpicos, em Sydney, na Austrália. Agora, quase duas décadas depois, a caminho de Tóquio, o atleta de 36 anos superou a marca das 200 medalhas internacionais. “Foi um objetivo finalmente alcançado, com o qual já sonhava há praticamente dois anos, mas devido a lesões e operações não foi possível antes”, refere, enquanto olha, com alguma dificuldade por causa do sol, para o relvado do Complexo Desportivo de Gaia completamente vazio.

    Na cidade quente e populosa de Istambul, em março, nos Campeonatos Europeus de Atletismo de Pista Coberta da Federação Internacional para Atletas com Deficiência Intelectual (INAS), Lenine subiu seis vezes ao pódio e chegou às 203 medalhas, que fazem dele o atleta mais medalhado do mundo em provas internacionais.

    Apesar do feito alcançado, neste momento, não traça como objetivo principal para Tóquio aumentar a sua coleção de ‘metais’. Até lá, ainda tem duas provas internacionais pela frente.

    Competindo há quase duas décadas no desporto adaptado, Lenine valoriza a questão da idade, no sentido de o motivar para o que aí vem. “Quero mostrar que a idade não é um fator crítico. Pode-se fazer e ultrapassar tudo”.


    A caminho dos segundos Jogos Paralímpicos. A “droga pesada” que levou ao “vício”

    O portão do Centro Náutico de Montemor-o-Velho encontra-se entreaberto para receber o treino diário de um atleta paralímpico. Os 2000 metros aquáticos de extensão e as pistas de canoagem podem indicar que se está na presença de um nadador ou de um canoísta. Mas não.

    Telmo Pinão prefere outro tipo de pista. A de ciclismo. “É totalmente possível um dia classificar-me para as duas vertentes: pista e estrada”, acredita o paraciclista de 39 anos. Pela primeira vez está a tentar apurar-se para os Jogos Paralímpicos na disciplina de pista.

    No entanto, Telmo já sabe o que é estar no evento desportivo mais importante do mundo. Esteve no Rio de Janeiro, em 2016, na prova de ciclismo de estrada.

    Desde que experimentou não quer outra coisa. “É o sonho de qualquer atleta. Era o meu sonho estar nos Jogos Paralímpicos e foi extraordinário. Aquilo é quase um vício, quase uma droga. É o top máximo. As pessoas que provam drogas leves quando chegam às pesadas ficam viciadas. Aqui foi um bocado isso. Provei a droga mais viciante que pode existir, que é estar nos Jogos”.

    Telmo treina numa pista para ciclistas paralela ao espaço aquático do centro náutico. Na mesma linha, considera que “não é impossível” intersetar as duas vertentes do paraciclismo em que compete e convergi-las num ponto comum e, quiçá, reluzente: a qualificação para os Jogos Paralímpicos de Tóquio e a conquista de uma medalha. “Com um bocadinho de sorte pelo meio, experiência, técnica, um terreno adequado a mim, tudo pode acontecer. Tudo pode levar a uma medalha”.

    Apesar da confiança, alerta que “não é nada fácil” alcançar essa meta, principalmente na prova de pista, já que compete há menos de um ano nesta vertente e a experiência é “escassa”. O atleta ainda não pontuou na qualificação para os Jogos Paralímpicos. Tem mais oportunidades no próximo ano para tentar a sorte.

    Por agora, a temporada prossegue na estrada, com participações na Taça do Mundo, que decorre até domingo, no Canadá, e no Campeonato do Mundo, na classe C2, que podem ser decisivas para o apuramento paralímpico.

    A pouco mais de um ano dos Jogos de Tóquio, Miguel, Lenine e Telmo integraram o Programa de Preparação Paralímpica com o intuito de repetirem a presença de 2016. Desta vez, as condições dadas pelo Governo são outras.

    Governo equipara valores dos prémios e das bolsas

    Igualdade de circunstâncias entre atletas olímpicos e paralímpicos, mas só em alguns casos.

    Pela primeira vez, em 2021, o valor mensal atribuído a atletas que constem na lista do Projeto Paralímpico será igual ao financiamento dado a desportistas que façam parte do Projeto Olímpico. No entanto, essa equiparação só vai ser válida para uma determinada classe de atletas.

    Segundo o contrato estabelecido entre o Comité Paralímpico, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), tutelado pelo Governo, publicado em Diário da República, o Programa de Preparação Paralímpica Tóquio 2020 e Paris 2024 admite um aumento faseado do valor das bolsas. O documento pressupõe, em 2021, 1375 euros mensais para atletas paralímpicos de Nível 1, equivalente ao que já é atribuído aos desportistas olímpicos Top Elite.

    Sendo já um dado adquirido que o valor da bolsa mensal para os atletas de nível mais alto dos universos olímpico e paralímpico será igual, em 2021, José Manuel Lourenço, presidente do Comité Paralímpico de Portugal (CPP), não esquece os outros patamares. “Relativamente aos outros níveis, pensamos que é um caminho que se pode vir a regularizar, até durante o ciclo para Paris”, afirma, esperançoso, o responsável máximo pelo movimento paralímpico em Portugal.

    Além da igualdade do valor no Nível 1 e no Top Elite, o Governo, em dezembro do ano passado, reviu a portaria de 2014 relativa aos prémios de mérito desportivo, equiparando-os. Agora um atleta paralímpico recebe o mesmo valor que um olímpico se ganhar uma medalha nos Jogos Paralímpicos (ouro: 50 mil euros, prata: 30 mil e bronze: 20 mil), num Campeonato do Mundo (ouro: 25 mil euros, prata: 15 mil e bronze: 7 mil) e num Campeonato da Europa (ouro: 15 mil, prata: 7500 e bronze: 3500).

    José Manuel Lourenço mostra-se satisfeito pelo facto de a situação estar “concretizada” e lembra que era “uma aspiração muito antiga por parte dos atletas paralímpicos”. No caso das paralímpiadas houve um aumento de 150% do valor da medalha mais apetecível, que se cifrava nos 20 mil euros, contra os 40 mil euros nas olimpíadas.

    João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, foi o responsável por esta alteração. “Foi uma proposta que eu próprio tive a iniciativa de fazer, consultando o Conselho Nacional do Desporto. Depois, a Assembleia da República aprovou uma proposta de recomendação para também caminharmos no sentido da equiparação no que diz respeito às bolsas de preparação desportiva”. Essa proposta, que conta com medidas apresentadas pelos partidos Bloco de Esquerda e Pessoas-Animais-Natureza foi incluída no Orçamento do Estado para 2019.

    Publicado em Diário da República, a 31 de dezembro de 2018, no artigo 205º é referido que, “tendo em vista a eliminação da discriminação existente, é assegurada a convergência dos valores previstos relativos ao pagamento de bolsas, preparação e participação desportiva entre os atletas olímpicos e paralímpicos, em todos os níveis”. É acrescentado ainda que a convergência é atingida até 2020 e que o Governo regulamentaria esta questão “no prazo máximo de 60 dias”. Até à publicação desta reportagem, isso ainda não aconteceu, tendo já passado a data limite.


    Critérios de integração variam consoante desempenho dos atletas

    Nas modalidades individuais, para que um atleta possa receber uma bolsa mensal, existe um critério de integração no Projeto Paralímpico Tóquio 2020 que compreende três níveis diferentes (Nível 1, Nível 2 e Nível 3), ao contrário do que acontece no movimento olímpico, em que há apenas dois patamares (Top Elite e Elite).

    Já em relação às modalidades coletivas, não havendo uma grelha de inclusão, a integração das seleções nacionais no projeto depende das especificidades do sistema de apuramento paralímpico para cada modalidade e das possibilidades que cada desportista tem de integrar os quadros do Comité Paralímpico, segundo avaliação feita pela respetiva federação.

    O valor mensal para um atleta de um desporto coletivo, atualmente, em 2019, é de 382 euros, sendo que atinge, em 2021, os 545 euros - no contrato em que se insere o Projeto Olímpico, os valores não são especificados. Cabe sempre às federações relativas a cada modalidade elaborarem e apresentarem as propostas de integração no Projeto Paralímpico.

    Relacionado com as bolsas mensais para os atletas, está também o valor associado aos profissionais que trabalham com eles. O treinador recebe um apoio monetário que corresponde a 80% do valor da bolsa do atleta que orienta, sendo que, se tiver mais desportistas ao seu encargo, recebe mais 20% pelo segundo e mais 10% pelo terceiro, que é o limite. No caso do parceiro de competição pode ser acrescido até um montante de 80% do valor da bolsa atribuída ao atleta e de 70%, no máximo, em relação ao técnico assistente desportivo.


    Duração do contrato não corresponde ao ciclo paralímpico

    Ao contrário do que aconteceu para Londres 2012, em que o contrato celebrado foi válido até ao final desse ano, para Tóquio, tal como se sucedeu para o Rio de Janeiro, a atribuição de bolsas não compreende exatamente o ciclo paralímpico. O contrato foi publicado em janeiro de 2018 e é válido até dezembro de 2022, mais de dois anos depois das paralímpiadas que se realizam em solo japonês.

    O objetivo dessa medida é, como se pode ler no documento, “consolidar o trabalho desenvolvido numa lógica de continuidade, sustentabilidade e racionalidade”, para que não haja uma quebra de financiamento ao Comité Paralímpico de Portugal (CPP) entre ciclos. O mesmo se sucede com o movimento olímpico.

    Segundo o contrato, o valor total para a preparação para os Jogos de Tóquio atribuído pelo IPDJ e o INR ao CPP é de 6 milhões e 920 mil euros, quase três vezes menos que o montante disponibilizado ao Comité Olímpico de Portugal por parte do Governo (18 milhões e 550 mil euros).

    Não querendo entrar em comparações entre os dois universos do desporto, João Paulo Rebelo prefere destacar o aumento do apoio financeiro dado ao CPP para a preparação para Tóquio, comparativamente com o dinheiro disponibilizado tendo em vista o evento realizado no Rio de Janeiro, em 2016.

    Relativamente ao valor total recebido pelo Comité Paralímpico durante os quatro anos do contrato, José Manuel Lourenço explica que é necessário “ajustar o valor individual da preparação de forma a não ultrapassar o valor global”.

    Juntando a isso o facto de o número de atletas no programa paralímpico ter “crescido surpreendentemente”, reconhece que é necessário fazer um esforço suplementar. “Se pensarmos que no início do ciclo, a natação tinha dois atletas e neste momento tem dez, o atletismo tinha dez ou 12 e neste momento tem 21, estamos a ver que, se o bolo tem o mesmo tamanho, significa que o valor médio por atleta é muito menor”.


    Atletas no Programa de Preparação Paralímpica atinge número recorde

    A média de idades dos desportistas que representaram Portugal no Rio de Janeiro foi aproximadamente 34 anos. Para combater o envelhecimento da comitiva lusa, através da integração de atletas que “contribuam para redução do nível etário médio das delegações”, o IPDJ, o INR e o CPP incluíram no contrato o Projeto Esperanças e Talentos Paralímpicos.

    Destina-se “a praticantes com especial talento ou equipas que apresentem expectativas fundadas de cumprirem os objetivos do Programa Paralímpico, no limiar temporal dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024”, como se pode ler no documento.

    O limite máximo de idade para entrar neste quadro é 34 anos e cada atleta, ao longo da carreira, só pode estar no projeto durante um período total de quatro anos, sejam consecutivos ou não. O valor mensal atribuído a um desportista que compete em modalidades individuais é 50% do que é dado a praticantes do Nível 3 do Projeto Tóquio 2020, ou seja, 112 euros, atualmente, sendo que em 2021 será de 302,5 euros. Nas provas coletivas também se verifica a mesma proporção, com o apoio financeiro a chegar aos 272,5 euros no último ano do contrato.

    Neste momento estão oito atletas presentes no Programa de Esperanças e Talentos Paralímpicos. Já em relação ao Projeto Tóquio 2020 estão integrados 55, num total de nove desportos, o que constitui um recorde. “Neste momento temos um número de atletas e de modalidades que nunca antes foram registados”, refere o presidente do CPP.

    No entanto, José Manuel Lourenço mostra-se cauteloso no momento de prever o número de atletas apurados e os resultados da delegação portuguesa nos Jogos Paralímpicos. Para já, o maratonista Manuel Mendes é o único luso qualificado para Tóquio.

    Se se atender aos objetivos que estão no contrato, a meta mínima de 28 competidores apurados definida pelo presidente do CPP está abaixo da percentagem de “65% de rácio entre atletas selecionados para competirem nos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020 e atletas apoiados” que é referida no documento. Neste momento cifra-se nos 50%.

    Quanto aos objetivos de medalhas, o mínimo é cinco, se a participação for superior a 40 atletas, e quatro se se apurarem até quatro dezenas de desportistas paralímpicos para o evento. Quatro medalhas foi precisamente o número alcançado no Rio de Janeiro.

    Jogos Paralímpicos. O que fica de quem já foi

    Sonho para uns, realidade para outros. As histórias de quem representou Portugal no maior evento desportivo do mundo.

    O desporto paralímpico está prestes a ’cortar a meta’ no que diz respeito à equalização dos valores dos prémios e das bolsas em relação ao desporto olímpico. No entanto, há poucos anos, o paradigma era bem diferente. Um dos atletas que melhor acompanhou esta mudança foi Luís Silva, praticante de boccia.

    A demora no processo de saída do carro e de entrada no pavilhão contrasta com a velocidade da bola a descer a calha. Aos 39 anos, depois da medalha de prata nos Jogos Paralímpicos de 2012 e da lesão grave que o afastou dos de 2016, Luís procura agora regressar à melhor forma física.

    “Em Famalicão não havia nenhum sítio onde pudesse praticar desporto adaptado e, como tinha de treinar todas as semanas, decidi criar a Associação de Boccia Luís Silva”. A explicação parece simples, mas se se recuar até 2009, ano em que a associação foi fundada, percebe-se que todo o processo de treino do atleta era bastante complexo.

    Obrigado a dividir-se entre viagens para o Porto e para Braga, optou por criar algo que lhe permitisse não sair de Vila Nova de Famalicão, a sua cidade natal, para treinar. Conta hoje com 14 atletas na associação, distribuídos entre boccia, futebol adaptado e atletismo adaptado.

    Há uma década, Luís já contava com vários títulos de campeão nacional, mas o ponto alto da carreira do famalicense acabaria por chegar três anos depois. Inserido na comitiva portuguesa que viajou até Londres para os Jogos Paralímpicos de 2012, conquistou uma medalha de prata, em pares. “Sempre tive o sonho de participar nos Jogos Paralímpicos e ter a oportunidade de conquistar uma medalha ao mais alto nível foi o sentimento de dever cumprido”.

    A mesma opinião é partilhada por Vânia Pinheiro. Esposa e técnica-assistente desportiva de Luís, assume que é com satisfação que acompanha a carreira do marido. “Sou um bocado suspeita a falar, mas de facto tem sido um orgulho, não só para mim, mas para todos os famalicenses e para Portugal inteiro ver o que o Luís tem conquistado ao longo dos anos”.

    Se, em 2012, tudo correu de feição ao atleta, a verdade é que, em 2016, viveu o maior pesadelo que um desportista pode ter. A poucas semanas dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, o também treinador de boccia sofreu uma lesão, ficando impossibilitado de repetir ou melhorar a prestação de Londres.

    Perante a renuncia à seleção por incompatibilidades com o selecionador, Luís perdeu também a hipótese de participar nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. Apesar disso, a resposta é quase imediata quando se fala da possibilidade de competir em Paris, em 2024. “Quem sabe, na vida nunca se pode dizer que não”.


    Jorge Pina: “Mais do que os resultados ficam as aprendizagens”

    Boxe e atletismo são duas modalidades muito distintas, mas Jorge Pina é um caso de sucesso em ambas. Já depois de se ter sagrado campeão nacional enquanto pugilista, o portimonense ficou cego em 2004 e passou a dedicar-se à corrida.

    O atleta recorda que os problemas surgiram quando começou a sentir “umas borbulhas” nos olhos enquanto se preparava para disputar um Campeonato do Mundo, em Espanha. Perante a incapacidade dos médicos em elucidá-lo acerca da gravidade do problema, continuou a competir e chegou mesmo a ir à Polónia, mas o regresso a Portugal revelou-se tempestuoso. “Quando voltei da Polónia não conseguia sentir a luz nos olhos e fui operado de urgência. Tive um descolamento de retina e fui operado várias vezes aos olhos. Não correndo bem as cirurgias, acabei por cegar do olho esquerdo”.

    O problema não ficou por ali e, numa consulta de rotina, informaram Pina que teria de ser operado ao olho direito para tentar evitar a cegueira total. A estratégia não resultou e o desfecho foi inevitável. “Fiquei apenas com 10% de visão no olho direito”.

    A perda de visão podia tê-lo desmotivado, mas o atleta rapidamente encontrou forma de voltar a praticar desporto. Através de um amigo conheceu alguns guias e ingressou no atletismo adaptado, modalidade que pratica até aos dias de hoje.

    No currículo conta já com participações nos Jogos Paralímpicos de 2008, 2012 e 2016, sendo o balanço “positivo”. “Tenho tido algumas prestações boas e outras menos felizes. Parto sempre com as expectativas muito altas, mas depois, se as coisas começam a não correr como quero, ponho em causa todo o trabalho que fiz até ali. Apesar disso, o balanço é positivo. Mais do que os resultados ficam as aprendizagens”

    Apesar de ainda não ter feito a marca necessária para assegurar a presença nos Jogos de Tóquio, o oitavo lugar de Pina na Taça do Mundo da Maratona do IPC, disputada em Londres, permite-lhe estar dentro do projeto paralímpico. Dependendo das marcas que fizer no futuro e das quotas que Portugal tiver para 2020, o atleta terá a possibilidade de lutar pela sua primeira medalha paralímpica.


    Maior atenção dada pelos media ao fenómeno paralímpico satisfaz Simone Fragoso  

    Passando da pista para a piscina e da vertente masculina para a feminina, é impossível não referir o nome de Simone Fragoso. A natação entrou na sua vida por imposição médica, mas o gosto pela modalidade foi crescendo e acabou por se tornar atleta paralímpica.

    Ainda antes de ganhar notoriedade pela participação num programa televisivo, a nadadora já tinha estado presente nas Paralímpiadas de 2008 e 2012, conseguindo um décimo e um sétimo lugar, respetivamente.

    No Rio de Janeiro, a atleta de 39 anos não conseguiu chegar à final em nenhuma das provas em que participou, mas recorda com agrado o acompanhamento da prova feito pela comunicação social.

    A possibilidade de marcar presença em Tóquio não é colocada de lado pela nadadora, mas assume que isso não é uma das suas prioridades neste momento. “Depois do Rio desacelerei um pouco e dediquei-me mais às águas abertas”, confessa.

    Uma participação nos Jogos de 2020 “não é uma hipótese colocada de lado”, Para isso, considera necessário alterar a forma de treinar e aumentar o ritmo competitivo. “Se me der na cabeça ainda tento ir a Tóquio”, remata.

    Medalhas de Portugal nos Jogos Paralímpicos

    Apesar de Simone nunca ter subido ao pódio numa Paralímpiada, a modalidade que pratica é a terceira com melhor historial no evento. A natação já deu a Portugal nove medalhas. No topo do ranking está o atletismo, com 53, seguido do boccia, com menos de metade.

    Campeões dentro e fora do desporto

    Às medalhas conquistadas nas diferentes competições, juntam os triunfos na vida escolar e profissional.

    Os termómetros marcam 23º C, o sol ‘diz presente’ e o vento dá também um ar da sua graça, ou não se estivesse numa praia do norte de Portugal. As condições parecem ser as ideais para a disputa do último dia de competição do Campeonato da Europa de Surf Adaptado, na Praia do Cabedelo, em Viana do Castelo.

    “With the yellow shirt, representing Portugal, Marta Paço”. O anúncio ecoado pelas colunas espalhadas um pouco por toda a praia antecede mais uma conquista da jovem vianense, cega de nascença. Já depois de ter arrecadado uma medalha de bronze no Campeonato do Mundo em 2018, Marta Paço sagrou-se campeã europeia ‘em casa’, na vertente feminina, com apenas 14 anos.

    “Não estava a lutar por nenhuma medalha, mas surgiu e estou feliz. O meu objetivo era entrar no ritmo de competição, tentar fazer o que sei, divertir-me e conviver e aprender novas técnicas com outras pessoas”. A tenra idade contrasta com a lucidez do discurso e com a forma de estar na vida de Marta. Aquela que é a mais jovem cidadã de mérito de Viana do Castelo assume o desejo de continuar a surfar, mas sem descurar os estudos.

    Na mesma onda, a mãe de Marta, Dulce Paço, assume que toda a família faz um esforço para que o surf adaptado, modalidade ausente do programa paralímpico, não interfira com a escola. A presidente da Íris Inclusiva, associação que “promove a plena inclusão comunitária e social das pessoas cegas e com baixa visão”, realça o desejo de ver a filha, atualmente no oitavo ano, chegar à universidade.

    “Tanto nós [pais] como a Marta queremos que ela continue dedicada aos estudos. Sendo boa aluna, tudo o que ela quiser, ela consegue. Ela gosta muito da área de Ciências, mas não é possível. Como a irmã quer seguir medicina, ela também gostava, mas sabe que é muito difícil e então talvez siga algo relacionado com letras”.

    Numa altura em que o vento sopra com mais intensidade, levantando consigo alguns grãos de areia, Dulce Paço conclui defendendo que o facto de Marta ser a cara do surf adaptado em Portugal, de ser boa aluna e de ter o desejo de ingressar num curso superior pode contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva.

    Miguel Monteiro. O futuro engenheiro que se abstrai da realidade nos treinos

    As ‘preocupações’ de Marta em relação à universidade ainda são poucas, mas no caso de Miguel Monteiro a situação é diferente. O jovem mangualdense está a terminar o 12º ano no curso de Ciências e Tecnologias e revela o desejo de ingressar no ensino superior. “Quero algo relacionado com engenharias”.

    A gestão entre aulas e treinos “não é fácil”, afirma Miguel, mas o bom entendimento que existe entre si, os seus pais e o treinador permite que tudo “corra bem”. O lançador do peso acrescenta ainda que a escola sem o desporto não fazia sentido e vice-versa. “As duas coisas são muito importantes para mim e vão ser no futuro, tanto física como psicologicamente. Quando venho para os treinos abstraio-me de tudo o que se passa, liberto a minha mente e isso depois ajuda-me na escola. Não pode ser só marrar”.

    O treino chegou ao fim. Enquanto desce as escadas que dão acesso ao Estádio Municipal de Mangualde, o jovem vai dialogando com João Amaral, o seu treinador, acerca da expectativa que tem para o novo ano lectivo. Aos 18 anos, o atleta e estudante procura chegar ter um lugar de destaque, tanto numa edição dos Jogos Paralímpicos como num dos institutos de ensino superior do país.


    “Por que é que tinha de saltar em comprimento? Por que é que tinha de fazer o salto do cavalo?”

    Ao contrário de Miguel, Telmo Pinão dedica-se a 100% ao desporto. O paraciclista revela que o aumento do valor das bolsas permitiu-lhe tomar esta decisão e que os “700 e tal euros” referentes ao Nível 2 dão-lhe a possibilidade de viver “com alguma estabilidade económica”.

    Apesar disso, os estudos não são colocados de lado pelo atleta de 39 anos. Telmo tem o desejo de ingressar no curso de Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra, mas o processo tem sido atrasado por questões burocráticas. Mesmo havendo vagas para pessoas com deficiência na licenciatura que Telmo quer frequentar, os pré-requisitos não se adaptavam à deficiência do paraciclista.

    O atleta revela ainda que o caso chegou à Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior e que, perante a falta de respostas, procurou chamar a atenção para o caso através da comunicação social. “Agora estou à espera de uma resposta. Penso que desta vez tudo ficará regularizado, adaptado, não só para mim, mas também para outras pessoas”.

    Enquanto a decisão não chega, Telmo continua a conciliar a prática desportiva com o cargo de presidente da Associação Portuguesa de Ciclismo Adaptado, projeto no qual, com a ajuda de empresas privadas e públicas e da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, procura promover a inclusão social e captar mais pessoas para o desporto adaptado.


    Filipe Carneiro: “Acho engraçado preparar as pessoas para a competição quando sou atleta”

    O encontro dá-se no Pavilhão Municipal de Ferreiros, mas poderia também ter ocorrido numa pista de atletismo. Aos 27 anos, Filipe Carneiro é um caso de sucesso no basquetebol em cadeira de rodas e no atletismo, tendo já conquistado o título de campeão nacional em ambas as modalidades.

    A conversa com o atleta de Vila Nova de Famalicão é constantemente interrompida pelas brincadeiras dos colegas de equipa, sinal, como o próprio assume, do “bom ambiente que existe dentro do balneário” da formação de basquetebol da delegação de Braga da Associação Portuguesa de Deficientes (APD).

    Sendo certo que uma equipa não se baseia no rendimento de um só jogador, a influência de Filipe no desempenho da APD Braga é inegável. Nos últimos sete campeonatos, o conjunto minhoto apenas não se sagrou campeão nos dois anos em que o famalicense esteve a jogar a nível profissional em Espanha.

    Atendendo àquilo que é a sua vida fora dos complexos desportivos, Filipe define o momento em que regressou do país vizinho como “decisivo” para a estabilidade que agora tem.

    Salientando o facto de ter conhecido novas pessoas, assim como “outras deficiências, outras patologias e outras maneiras de estar”, Filipe mostra-se satisfeito com o projeto no qual trabalha há quatro anos. “Trabalho com miúdos fantásticos e acho uma ideia muito engraçada preparar outras pessoas para a competição quando eu sou atleta. Gosto bastante de trabalhar nesta área”.

    Como se categorizam os atletas?

    As suspeitas de fraude e os erros nas classificações desportivas são dois dos temas mais sensíveis no universo paralímpico.

    10 horas, Pavilhão Gimnodesportivo de Maceda, concelho de Ovar. Ouvem-se os primeiros carros a chegar. Nélson, de 37 anos, vem acompanhado pelo pai, que lhe deu boleia. Se assim não fosse, dificilmente conseguia comparecer ao estágio da seleção portuguesa de futsal para atletas com síndrome de Down. Em novembro, juntamente com 11 colegas, sagrou-se campeão europeu. Este ano, a mesma equipa teve em risco a participação no Campeonato do Mundo do Brasil por falta de verbas.

    “Como já estou na reforma, tenho mais tempo”. As palavras são de Adão Silva, que fez 80 quilómetros, entre as freguesias de Nespereira, concelho de Guimarães, e Maceda, para dar a oportunidade ao seu filho Nélson de representar Portugal. “Estes miúdos precisam de muito apoio. O apoio extra praticamente nunca aparece, a não ser das instituições”.

    Nélson não é um desconhecido no município vimaranense. “Às vezes estamos a andar na rua e ouvimos «olha o campeão» ”, conta, com um brilho no olhar, Adão Silva. O jogador que representa a Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidades de Guimarães adquiriu o estatuto de campeão europeu há pouco mais de meio ano. E foi decisivo para que isso acontecesse.

    Na final da prova continental, organizada pela Federação Internacional de Futebol para Síndrome Down (FIFDS), em Terni, na Itália, Portugal bateu a seleção anfitriã e detentora do título mundial por 4-0, com um três golos de Nélson. César Morais fechou o resultado.

    “Para se ser campeão europeu tem que haver muito trabalho, empenho e esforço”, acredita Carlos André, responsável pelo nulo que se verificou na baliza lusa no jogo decisivo frente à Squadra Azzurra. O guarda-redes natural da Vila das Aves recorda com emoção o momento em que venceram o título. “Estava um grande ambiente nas bancadas. Não sabia o que era ser campeão europeu”.

    Em Portugal, quatro meses depois da conquista, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, respondeu aos apelos dos responsáveis, dos atletas da equipa e dos respetivos familiares e recebeu a seleção de futsal de síndrome de Down no Palácio de Belém.

    Já chegaram todos os jogadores. A equipa técnica, formada pelo selecionador Pedro Silva e pelo treinador Hélder Fonseca, manda os atletas para os balneários. O treino começa dentro de momentos.

    Apesar de ser campeã europeia e, por isso, ter direito a marcar presença no Campeonato do Mundo, realizado em Ribeirão Preto, no Brasil, a seleção nacional, que acabou por ficar em quinto lugar, esteve perto de falhar a participação na prova. A Associação Nacional de Desporto para Desenvolvimento Intelectual (ANDDI), que tutela a equipa de futsal das quinas, equacionou a possibilidade de Portugal não ir devido à falta de financiamento.

    Posto isto, quando se apercebeu da situação, a direção da ANDDI começou uma angariação de fundos, que terminou quando um empresário algarvio decidiu pagar os 35 mil euros necessários para a ida da seleção ao Brasil.

    Os atletas já estão equipados e prontos para iniciar o treino. Começa o aquecimento no pouco iluminado Pavilhão Gimnodesportivo de Maceda, que contrasta com o brilho nos olhos dos jogadores quando olham para a camisola que representam: as cores de Portugal. José Costa Pereira, presidente da ANDDI, não quer abordar a celeuma que se criou quando se levantou a possibilidade da seleção de futsal falhar o Campeonato do Mundo.

    O responsável máximo pela associação prefere destacar o percurso feito pela equipa, desde que foi criada em 2016, tendo sido vice-campeã mundial em Viseu nesse ano, além do título europeu conquistado em 2018. “A seleção tem subido muito de qualidade”.

    Já a treinar com bola, os atletas ouvem cada vez mais indicações da equipa técnica. O selecionador Pedro Silva não esconde que seria “uma desilusão muito grande” não ir ao Brasil, mas garante que essa questão “não entrou no grupo de trabalho”. “Tentamos não passar essa possibilidade para os jogadores”.

    No Campeonato do Mundo estiveram seleções com uma base de recrutamento bem maior do que o conjunto da quinas. Por exemplo, a Argentina conta com 300 futsalistas com síndrome de Down, seis vezes mais do que acontece em Portugal.

    Para o treinador Hélder Fonseca, apesar de ser “um grupo com uma qualidade muito boa”, o número de atletas ainda é curto. “Já tivemos conhecimento de um ou outro caso que até sabemos que os atletas têm qualidade, mas por uma razão ou por outra, como, por exemplo, os familiares não deixarem, acabam por não vir. E a seleção acaba por perder. É um valor que não pode ser acrescentado”.

    Sempre a comandar os colegas dentro de campo, um dos valores mais seguros da seleção é o capitão Ricardo Pires. Para o atleta natural de Aver-o-Mar, Póvoa de Varzim, ter essa função “não é fácil porque é uma responsabilidade muito grande”. Ainda assim, destaca o companheirismo que se vive dentro do grupo de trabalho.

    As palavras de Ricardo (e não só) já não são tão meigas quando o assunto é o apoio financeiro dado pelo Governo.

    Os desportos para atletas portadores de síndrome de Down, mesmo estando abrangidos na categoria de deficiência intelecutal, não fazem parte do programa dos Jogos Paralímpicos. O presidente da ANDDI acha que “dificilmente, a curto prazo, as pessoas com trissomia 21 vão entrar” nas Paralimpíadas, já que a deficiência intelectual ainda tem pouca expressão neste evento.


    A complexidade da categorização

    Dentro do desporto paralímpico existem vários tipos de deficiência: motora, visual, intelectual e paralisia cerebral. Além disso, em cada modalidade existem diferentes graus de classificações, que colocam os atletas nas categorias que correspondem à sua capacidade funcional. Os desportistas que têm deficiências mais profundas competem em classes com números mais baixos.

    A forma como é definida a categorização está longe de levar a consensos. Telmo Pinão, que compete na classe C2 do paraciclismo, é uma das vozes da discórdia.

    Estando integrado numa categoria para atletas com problemas funcionais nas pernas, resultado, por exemplo, de amputações, não compreende o porquê da União de Ciclistas Internacionais (UCI), regulador da modalidade a nível mundial, permitir a integração de ciclistas com maiores vantagens físicas. “Na minha classe, que é uma que está de caras, deveria pedalar-se só com o auxílio de uma perna”.

    O atleta de Montemor-o-Velho não concorda com o facto de haver “homens a pedalarem com duas pernas”, que têm, no seu entender, a vantagem de conseguirem “debitar muito mais potência” do que as pessoas que pedalam só com uma.

    Telmo entende que “não é fácil” fazer a categorização e aplaude as medidas que a UCI tem levado a cabo para tentar resolver o problema, como a possibilidade futura de colocar potenciómetros nos pedais. No entanto, considera que ainda há muito para melhorar, dando o exemplo da sua participação no Mundiais de Paraciclismo de Pista, disputados, em março, em Alpedoorn, na Holanda. “Não é justo eu estar num campeonato do mundo de pista e nos dez primeiros lugares só dois é que correm como eu, com uma perna”.

    Independentemente da modalidade, os atletas só podem competir em provas internacionais se a atribuição de classes for feita por um classificador do IPC ou das federações internacional que tutelam a respetiva modalidade.

    No entanto, se o desportista apenas realizar provas nacionais, a avaliação é feita por portugueses. Aí, segundo o presidente do CPP, têm sido dados passos importantes.

    Além dos eventuais erros de categorização inadvertidos que podem existir, alegadas fraudes no mundo paralímpico também comprometem a verdade desportiva. Ainda é um assunto muito falado, principalmente pelo que aconteceu nos Jogos Paralímpicos de Sydney, em 2000.

    A Espanha conquistou o ouro no basquetebol masculino para atletas com deficiência intelectual com uma equipa formada por pessoas sem qualquer problema desse foro, que burlaram os testes de classificação funcional com respostas falsas.

    O caso foi denunciado pelo jornalista Carlos Ribagorda, que se infiltrou na equipa, e a seleção espanhola perdeu a medalha. No entanto, não foi a única a ser castigada. O Comité Paralímpico Internacional decidiu excluir a deficiência intelectual das duas Paralímpiadas seguintes: Atenas 2004 e Pequim 2008.

    Voltou 12 anos depois, em Londres, numa edição que contou com uma medalha de bronze para Portugal nesta categoria. Lenine Cunha, terceiro classificado no salto em comprimento na classe T20 do atletismo, mostra-se “frustrado” pelo facto de o castigo ter abrangido todos os atletas com deficiência intelectual. “Deviam castigar a Espanha e não os outros países ou então fazer logo na altura novos exames, como foi feito para irmos aos Jogos de Londres. Tivemos de passar por vários exames internacionais para revalidar a nossa deficiência. Deviam ter feito isso na altura”

    Lenine também já foi alvo de desconfianças. Acusado pela crítica de não ser elegível para competir no desporto adaptado, o atleta de 36 anos diz que não tem de “provar nada a ninguém” e garante que fez todos os exames solicitados pelo Comité Paralímpico Internacional.

    “Quero tirar a carta de condução, já tentei seis vez o código e não consigo. Chego ao teste e por mais que estude e me empenhe chego ao teste e bloqueio completamente”. Para Lenine Cunha, a razão para isto acontecer deve-se aos problemas de memória resultantes do ataque de meningite que teve aos quatro anos, que o tornou elegível para competir no desporto adaptado.

    Treinador paralímpico fala em casos de fraude no desporto português; Presidente do Comité considera ‘difícil aldrabar’

    Orientando atualmente dois atletas paralímpicos - Miguel Monteiro e Cristiano Pereira -, João Amaral, referindo-se à modalidade de atletismo, diz haver casos de desportistas que “mentem e quebram os regulamentos”. Na opinião do treinador, “o Comité Paralímpico de Portugal deveria ter uma intervenção muito mais rigorosa e ter um departamento que estivesse mais atento a essas situações”.

    João Amaral vai mais longe e perspetiva que futuramente o CPP pode sofrer as consequências. “Se calhar, um dia mais tarde, os atletas que estão a infringir os regulamentos e as classificações desportivas e o próprio comité serão penalizados”.

    Já José Manuel Lourenço não garante que não haja fraude no desporto paralímpico - “até porque onde está o homem está o pecado” -, mas considera que, atualmente, “é muito difícil ‘aldrabar’“.

    O que aconteceu com a seleção espanhola de basquetebol em cadeira de rodas deixou em estado de alerta as entidades competentes, na opinião do presidente do CPP. “Tendo em conta o histórico, nomeadamente no ano 2000, houve aqui um processo de aprendizagem para o próprio IPC, no sentido em que ativou outro tipos de mecanismos de controlo”.

    E depois do acidente...

    Os testemunhos de quem viu no desporto uma forma de se reerguer e de se adaptar a uma nova vida.

    O desporto, em especial o desporto adaptado, tem a capacidade de unir percursos muito distintos. Desde atletas que já nasceram com a deficiência que os fazem competir na categoria adaptada a praticantes que sofreram algum tipo de acidente ou doença ao longo da vida, são várias as histórias que compõem este universo desportivo.

    No caso da equipa de basquetebol em cadeira de rodas da APD Braga, se Filipe Carneiro já nasceu com o problema, Manuel Vieira, presidente da associação e jogador da equipa, e Hélder Moreira, um dos mais recentes membros do conjunto minhoto, foram obrigados a adaptar-se a uma nova realidade.

    O treino vai a meio, mas o estatuto que os longos anos de dedicação à APD Braga lhe traz permite-lhe ausentar-se por uns minutos para uma conversa. “Adquiri a deficiência na sequência de uma mielite pós-varicela. No início fiquei tetraplégico, mas consegui recuperar de forma parcial para uma paraplegia”.

    As palavras são de Manuel Vieira e retratam os momentos que antecederam o seu ingresso no desporto adaptado. O dirigente da instituição bracarense assume que o início do processo não foi simples, mas que sempre olhou para o desporto como uma forma de contornar as dificuldades que lhe foram surgindo.

    Na mesma linha de pensamento, o psicólogo Jorge Silvério destaca a importância do desporto para as pessoas com deficiência, salientando a influência que tem nas vertentes física e social. “Para além das vantagens associadas à prática do desporto, as pessoas que ficam prejudicadas ou incapacitadas usam o desporto como ferramenta para contornar a discriminação - muitas vezes involuntária - que existe na sociedade”.

    O também embaixador para a Ética no Desporto refere ainda que a confiança que as pessoas com deficiência adquirem com os resultados desportivos pode extrapolar-se para a vida em geral.

    Manuel Vieira foi um dos principais responsáveis pela “abertura do caminho” para a fundação e crescimento da equipa de basquetebol em cadeira de rodas da APD Braga. Hélder Moreira é um dos mais recentes jogadores a seguir esse rumo. Apesar de ainda não fazer parte da equipa de forma efetiva, o atleta já vem treinando no Pavilhão Municipal de Ferreiros há alguns meses.

    Hélder sofreu um acidente de viação há dez anos e nunca tinha pensado na possibilidade de praticar desporto adaptado, mas tudo mudou com um convite: “Fui convidado por um atleta da equipa a experimentar e estou a gostar bastante. Estou a aprender e está a ser uma boa experiência. Aconselho toda a gente que esteja numa situação semelhante a experimentar, acho que o basquetebol em cadeira de rodas é um excelente desporto e uma excelente forma de inclusão”.


    Telmo Pinão. A arte de encarar o problema “ao sabor do vento”

    A forma com que lida com a perna amputada e com a prótese com que se faz acompanhar aparenta ser natural, ou não tivesse sido há já 17 anos que Telmo Pinão sofreu o acidente que mudaria a sua vida por completo. O trilho de moto 4 que percorria foi interrompido pelo choque com uma carrinha, que o levou a embater com a perna esquerda num poste.

    O resultado? A amputação da perna 15 centímetros abaixo do joelho e a certeza da necessidade de readaptação, tanto social como desportiva, do paraciclista.

    Refugiando-se no karaté, modalidade na qual destaca o trabalho mental desenvolvido, num primeiro momento, Telmo descobriu o ciclismo adaptado há 11 anos. Se tudo parecia correr bem quando se tornou paraciclista, a verdade é que a sua vida sofreu um duro revés quase uma década depois.

    O atleta natural de Montemor-o-Velho descobriu uma bactéria, voltou a amputar um pouco mais a perna e foi aconselhado pelos médicos a deixar de praticar desporto com a prótese. “Quando descobri que tinha de amputar mais a perna tudo desabou outra vez. Foi uma fase da minha vida muito complicada. Digo até em tom de brincadeira que acho que foi mais difícil para mim ultrapassar isso do que quando tive que dizer ‘cortem-me a perna’”.

    A capacidade de superação de Telmo foi colocada novamente à prova, mas o paraciclista de 39 anos não parou de ‘pedalar’. Deixou de competir com a prótese, passou da categoria C4 para a C2 e estreou-se nos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro.

    Agora, procura estar presente na prova de desporto adaptado mais importante do mundo em 2020, na cidade de Tóquio. Ele e, pelo menos, mais 54 atletas, que integram o Projeto de Preparação Paralímpica.

    Diogo Matos

    Chamo-me Diogo Matos, tenho 20 anos e sou aluno do 3º ano do curso de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho. Nascido e criado na transição entre o Minho e o Douro Litoral, procuro conciliar dois dos meus grandes interesses: Jornalismo e Desporto.

    Tiago Barquinha Gonçalves

    Apaixonado por desporto desde sempre, ganhei um gosto especial por política nos últimos anos. Estas duas áreas, que originam sempre muito debate, são as que me despertam mais interesse.

    Ainda assim, sendo um homem atento às alterações constantes na sociedade que me rodeia, não dispenso um bom livro, uma boa série, um bom filme e um bom programa televisivo de entretenimento.

    Poder contar às pessoas a realidade (local, nacional ou internacional), seja por escrito ou oralmente, é uma das vantagens do mundo do jornalismo. É este o caminho que pretendo seguir.

    Está o desporto adaptado à deficiência?
    1. 55 atletas a caminho de Tóquio
    2. Governo equipara valores dos prémios e das bolsas
    3. Jogos Paralímpicos. O que fica de quem já foi
    4. Campeões dentro e fora do desporto
    5. Como se categorizam os atletas?
    6. E depois do acidente...
    7. Ficha técnica