Entre o éter e o digital, “a rádio é aquilo que somos"
As pessoas ainda fazem diferença no espectro radiofónico repleto de música?
À velocidade do “skip”
O mundo está cada vez mais instantâneo e impaciente. Dados do Spotify indicam que quase metade das pessoas não ouve uma música até ao fim.
Clicar no play é fácil. Passar para outra música é igualmente acessível. Mas quanto tempo é que as pessoas aguentam até fazer “skip” a um tema? A oferta musical é de tal maneira difusa que a paciência das pessoas esgota-se em poucos segundos.
Dados do Spotify indicam que 24% de todos os temas são saltadas nos primeiros cinco segundos de música e quase metade das pessoas não ouve uma canção até ao fim.
Paul Lamere, investigador que analisou informações da plataforma de streaming com mais utilizadores no mundo – conta com mais de 100 milhões de contas pagas –, identificou também que os jovens são os que mais vezes carregam no botão de avançar.
Confrontado com o estudo, Luís Oliveira, diretor e editor musical da Antena 3, reconhece que “este tempo que estamos a viver não se dá muito ao ato de ouvir e isto tem que ser contrariado de alguma maneira”.
Pedro Portela, professor na Universidade do Minho, observa que atualmente se vive “com alguma ditadura da imagem”. O investigador que começou a fazer rádio na década de 1980 acrescenta que “perdemos uma boa parte do mundo porque não escutamos convenientemente”.
Da mesma opinião, Ana Isabel Reis – académica na Universidade do Porto que também tem ligações à rádio – concorda que as pessoas não estão habituadas a ouvir: “Quando no primeiro ano falo em sons que rodeiam, eles não estão bem a ver o que estou a falar e às vezes não identificam, que é uma coisa que a mim me perturba.”
Para lá dos limites da rádio, a educação para o som “é uma coisa que enquanto exercício da cidadania, é importante cultivar”, segundo o diretor da Antena 3.
A rádio vive para além do som, mas nunca pode sobreviver sem ele.
30 anos depois, onde está a rádio?
O panorama radiofónico nacional sofreu a primeira grande mudança em 1989. Trinta anos depois do fim das rádios pirata, a telefonia já não se faz apenas de vozes carismáticas, mas assenta principalmente no conteúdo e personalidade de quem a compõe.
Não há muita gente nas ruas da Gafanha da Nazaré. O vento e a chuva fortes assemelham-se ao dia 15 de fevereiro de 2016. Nessas horas de inverno, o temporal destruiu a antena retransmissora da Rádio TerraNova. Depois da tempestade, restou o silêncio.
A salvação da TerraNova veio de quem sempre esteve com ela, do outro lado do FM. Os habitantes da Gafanha da Nazaré e das localidades vizinhas, lugares de enorme influência piscatória, habituaram-se a viver com a rádio nas ondas do dia-a-dia. Em quatro meses, a nova antena da estação - que ocupa o éter em 105.0 - foi reposta, depois de ter sido financiada na totalidade pelos ouvintes.
Em resposta ao silêncio forçado, a rádio saiu do estúdio e produziu emissões especiais a partir de diversos espaços do distrito de Aveiro, sob o lema “Vamos dar Voz a Quem Nos Dá Voz”. O contributo da comunidade chegou através de jogos solidários e recolhas de donativos, todos eles promovidos na “Vamos dar voz à Rádio Terranova” – página de Facebook criada horas depois da queda da antena.
A proximidade que carateriza as rádios locais, mas que tem vindo a evaporar-se ao longo dos anos, transformou-se no bote salva vidas de uma empresa de radiodifusão que nasceu em 1986, na época de ouro das rádios pirata.
O ingovernável mundo da rádio
Na penúltima década do século XX, ainda se vivia a ressaca da Revolução de Abril. As transformações a nível económico e social do país levaram a que milhares de pessoas aproveitassem uma lacuna legal para ocupar indiscriminadamente qualquer frequência no espectro radiofónico – mesmo que as ondas já estivessem a ser utilizadas por rádios profissionais e registadas.
Estima-se que, em Portugal, o número de rádios pirata tenha sido superior a 600. Existiam à margem da lei. Não havia qualquer tipo de registo que pudesse indicar, com precisão, a quantidade de rádios em funcionamento, muito menos a sua distribuição no território nacional.
A facilidade com que se transformava uma garagem num estúdio e uma antena num transmissor permitiu que muitos jovens tivessem o primeiro contacto com o microfone nas rádios pirata. “Se forem perguntar a todas as pessoas que hoje ativamente trabalham em rádio como é que começaram, eu diria que a maioria delas começou nesse momento fundador [das rádios pirata]”, afirma Luís António Santos.
A década de 1980 não só viu nascer novos profissionais da comunicação, como também observou a fundação de novas rádios. Em Braga, a Rádio Universitária do Minho (RUM) começou a dar os primeiros passos em 1986, quando ainda não estava legalizada.
Apesar de ser um projeto universitário, a RUM sempre teve uma estrutura profissional e foi capaz de cativar os ouvintes ao longo dos mais de 30 anos de atividade.
Sérgio Xavier trabalha atualmente na Universitária. O locutor lembra que, para ele, a RUM “foi uma referência durante muitos anos”. De tal modo que a sua “formação musical passa muito pela Rádio Universitária do Minho”.
“Vozes que eu conhecia, que acompanhava – como o Pedro Portela com o “Domínio dos deuses”, o Artur Rodrigues com o “SS 22”, o José Carlos Santos que faz o “Só Jazz” – foram-se tornando familiares” - Sérgio Xavier
Pedro Portela começou a fazer rádio aos 15 anos. Na altura, só pensou: “Que fixe, deram-me um espaço, um tipo como eu que tem espaço.”
O começo do “Domínio dos Deuses” foi também numa rádio pirata chamada Radio Clube do Minho. Contudo, em 1988 migrou para a RUM, estação onde ainda permanece, todas as noites de segunda-feira.
A Rádio Clube do Minho acabou por ser uma das centenas de rádios que desapareceu depois do shut down de 88.
“Deram-me espaço para fazer aquilo que eu queria, que era divulgar música que nas três rádios nacionais não se conseguia ouvir, ou quase não se conseguia ouvir, podia haver uma exceção na Rádio Comercial, no programa do António Sérgio.” - Pedro Portela
Prestes a celebrar o 30.º aniversário desde que se tornou legal, a RUM está instalada no mesmo edifício desde a sua fundação. A mudança para as traseiras do gnration, um local mesmo no centro da cidade de Braga, está prometida há cerca de cinco anos. A nova localização figura num paradigma de renovação de infraestruturas e pode ser uma forma de aproximar a rádio do público.
De localsó resta a antena
Enquanto algumas rádios locais continuam de portas abertas e antenas bem ligadas, outras são agora conchas vazias, cuja única função é retransmitir as frequências de rádios maiores.
Em termos estratégicos, a TSF encontrou uma forma de se aproximar de um público que, inicialmente, estava inalcançável.
A primeira emissão foi para o ar em 1984, época em que ainda não estava legalizada.
Pedro Leal, diretor geral de produção da Rádio Renascença, considera que “dentro da pirataria, havia vários tipos e várias formas de estar na rádio”, acrescentando que apesar da TSF ter surgido como uma rádio pirata, o sucesso da estação figurou-se na estrutura experiente que a compunha.
O concurso de atribuição de licenças concedeu à TSF um alvará de rádio local de Lisboa. A partir daí, o plano de expansão passou pela compra de frequências locais por todo o país, de modo a conseguir emitir na maior parte do território português.
A exploração de uma brecha na lei, como explica Luís António Santos, permitiu que uma rádio legalmente regional de Lisboa possa ser ouvida em todo o país.
Trata-se da única rádio pirata em Portugal que conseguiu alcançar o patamar nacional, ainda que através de retransmissões locais.
Luís António Santos defende que a lei relativa às rádios locais deve ser revista. O professor da Universidade do Minho acredita que o enquadramento legal do que é uma rádio local está desadequado à realidade nacional e devia ser aproximado do conceito de rádios comunitárias. Projetos pequenos, mais livres, criados a partir de associações e grupos de pessoas e que não estão orientadas para o mercado e para o lucro.
Escolher não escolher
O ato de ouvir música tornou-se mais acessível através do surgimento das plataformas de streaming. Com o espaço musical povoado pelos múltiplos agregadores, a rádio deixou de escolher o que as pessoas ouvem, mas ainda há quem prefira não escolher o que ouve.
Luís Oliveira recebe todos os dias dezenas de e-mails com músicas e álbuns novos. O editor musical da Antena 3, que também é uma das vozes do programa das manhãs da estação, é o curador da playlist da rádio pública, que é feita de forma “colegial ou old school”.
São muitas as rádios que fazem testes musicais para aferir que temas devem passar nos momentos de maior audiência. Trata-se um método que tem como objetivo aumentar o grau de satisfação dos ouvintes e evitar que as pessoas não se identifiquem com o que estão a ouvir.
“Nós não testamos músicas, a grande diferença para uma rádio privada será essa.” Ainda assim, Luís Oliveira encontra vantagens nas avaliações musicais. Na Antena 3, o radialista coordena várias “reuniões de playlist”, onde é decidido que temas entram e saem da lista de músicas com maior rotação em antena.
Os critérios de escolha não só obedecem ao que está estipulado na Lei da Rádio, aprovada em 2010, como também dizem respeito ao Contrato de Concessão de Serviço Público. A estação pública tem de cumprir diretrizes adicionais que estão consagradas no memorando que regula os órgãos de comunicação social do Estado, nomeadamente no que diz respeito à quota de músicas portuguesas e à quota de músicas cantadas em português.
Todas as rádios que emitem em território nacional têm de preencher os programas entre as 07h e as 20h com uma quota mínima variável entre 25% e 40% de música portuguesa. Nas rádios públicas, esta percentagem nunca deve ser inferior a 60%. Dentro da música portuguesa existe ainda outra obrigação: 60% da música nacional emitida por todas as rádios em Portugal tem de ser composta ou interpretada por cidadãos da União Europeia em língua portuguesa.
Por seu turno, a norte, a Rádio Universitária do Minho (RUM) é uma estação local de cariz universitário que também não recorre a testes musicais para compor a playlist. Durante muitos anos não houve lista, cada locutor escolhia todas os temas que punha no ar. Os radialistas “estavam de tal forma identificados com o perfil da rádio, que nunca houve essa necessidade”, afirma Sérgio Xavier, locutor e produtor da RUM desde 2002.
À semelhança do que acontece na Antena 3, a escolha dos destaques semanais fica a cargo de um editor musical “que vai recebendo contributos dos outros elementos da programação”. A primeira música de cada hora faz parte desse lote de novidades, que é uma das bandeiras que a Universitária não quer baixar. Apesar de “arriscado”, para Sérgio Xavier, o “espírito de descoberta fez parte da Rádio Universitária do Minho durante grande parte da sua história e pelo menos para já vai-se manter”.
Este paradigma contrasta com o das grandes rádios. As estações de maior audiência fazem testes musicais, como é o caso do Grupo Renascença, que alberga a rádio que dá nome ao grupo, a RFM, a Mega Hits e a Rádio SIM. Todas ocupam um lugar específico no que diz respeito ao espectro musical e todas trabalham sob a fórmula de playlists inalteradas.
No Grupo Renascença, João Porto faz “análises que ajudem os diretores e os próprios autores dos programas a perceber o que se está a passar com o seu programa – se está a aumentar [a audiência], se está a diminuir [a audiência], quem são os ouvintes, que idades têm, o que fazem, onde é que estão”. Quanto à playlist, o coordenador de marketing estratégico não considera que seja um método perfeito, mas nega que as escolhas sejam feitas com base em interesses comerciais da rádio ou das editoras, “como era dantes”.
“Muitas pessoas falam mal das playlists, porque já não conseguem influenciá-las a seu favor.”
A playlist tenta aproximar as escolhas dos gostos generalizados dos ouvintes, no entanto, as plataformas de streaming democratizaram o acesso à música, obrigando a rádio a ajustar o tipo de programação.
Menos música e mais palavra é o caminho que vários investigadores e profissionais da rádio apontam para o futuro, uma vez que as pessoas preferem escolher as músicas que ouvem através dos agregadores de transmissão e relegam para a rádio outro tipo de conteúdos sonoros.
Uma rádio multiformatos
O meio radiofónico adaptou-se às constantes inovações provocadas no mundo. A última mudança está inevitavelmente ligada ao digital, que tanto pode atrair como dispersar os ouvintes.
Corria a última década do século passado quando foi instalado o primeiro posto de internet nos estúdios da Rádio Renascença no Porto. “Era preciso usar com muito cuidado e não se podia estar lá muito tempo.”
Pedro Leal – à data, jornalista – não fazia ideia do que aquilo era. A primeira vez que navegou na internet foi ter ao jornal espanhol El País. “Lembro-me que nesse momento o El Pais estava a dar uma notícia de um naufrágio de uma traineira entre o norte de Portugal e a Galiza. Nós soubemos pelo El Pais na internet. A informação já não me chegou via Lusa ou via Reuters. Foi através da internet.”
Nesse momento, o atual diretor geral de produção da Rádio Renascença percebeu o potencial da internet para a comunicação social. A evolução não tardou até chegar à multiplicidade de formatos digitais.
O primeiro investimento no digital trouxe bons resultado. Até ao momento, a Renascença conquistou 22 prémios ObCiber – galardões entregues pelo Observatório do Jornalismo que premeiam os melhores trabalhos na área do ciberjornalismo.
“A Rádio Renascença provou em Portugal que jornalismo multimédia de qualidade não é preciso ser feito por um jornal ou por uma televisão, uma rádio consegue fazer, desde que os seus profissionais sejam bons profissionais – o que é o caso.” Para o professor universitário Luís António Santos, a tecnologia democratizou a produção mediática, uma vez que o campo digital está de igual forma aberto a todos os órgãos de comunicação.
Pedro Leal não esconde que a evolução digital da rádio onde trabalha deveu-se ao contributo dos estagiários, “que tinham competências diferentes” daquelas que se encontravam na redação.
Uma porta digital chamada “podcast”
Longe vão os tempos em que os conteúdos sonoros tinham unicamente lugar na rádio. Que o diga Alexandre Pinto. Depois de ter deixado a Rádio Universitária do Minho, o radialista queria continuar o programa que mantinha na estação. A alternativa estava ao clicar de um rato, na World Wide Web.
Apesar da maior acessibilidade, o caminho pela internet não é tão fácil como aparenta. No entanto, Pedro Paulos é um exemplo do oposto. Poucos dias depois de ter criado o Brandos Costumes, podcast que atravessa os caminhos menos percorridos da música portuguesa, o autor foi convidado a participar no programa 5 Para a Meia Noite da RTP 1.
No início, Pedro Paulos fazia mixtapes de uma hora com música portuguesa. Motivado por Rodrigo Nogueira, autor do podcast “Até Tenho Amigos Que São”, criou o seu próprio conteúdo onde associava conversa às canções esquecidas da cultura em Portugal.
“Eu comecei a ouvir podcasts para fazer o meu podcast, quase como estudo de mercado de como é que eu ia contar estas histórias, como é que eu ia mostrar estas músicas.”
Com quatro anos e duas temporadas, o próprio autor ficou surpreendido com o sucesso instantâneo do projeto: “as pessoas, não sei porquê, tinham curiosidade de encontrar o outro lado de músicas portuguesas”.
Mais tarde, Pedro Paulos integrou outro podcast com Fernando Alvim e Nuno Dias. O Obrigado, Internet era apenas transmitido no digital, mas migrou para a Antena 3 um ano e meio depois.
De pendor mais sério, o Fumaça é atualmente um órgão de comunicação social alicerçado nas bolsas e prémios jornalísticos que tem vindo a ganhar. O podcast ocupa um espaço vazio no panorama português, mas para o diretor do projeto, Pedro Miguel Santos, não se trata de uma vantagem: “Era muito interessante podermos ter outros projetos deste género com que nos pudéssemos comparar e partilhar experiências.”
Inicialmente, o podcast era feito de forma voluntária, “a ideia era criar um espaço de conversa sobre determinados temas, depois evoluiu para um projeto jornalístico que precisava de ganhar corpo com mais gente”.
Cada um dos jornalistas que integra o projeto teve de deixar os seus empregos para se dedicar a tempo inteiro ao Fumaça. A partir do momento em que ganharam a primeira bolsa de apoio ao jornalismo independente, em 2017, o desenrolar dos acontecimentos foi “muito natural”.
“Percebemos que tínhamos de nos despedir, montar uma equipa e fazer disto a nossa ocupação profissional, porque a bolsa permitia-nos fazer isso e já era aquilo que nós queríamos fazer.” - Pedro Miguel Santos
A independência é a maior bandeira do Fumaça, que não vê vantagens em mudar-se para outro meio fora do digital e dos podcasts. Pedro assegura: “Não nos interessa ter lucro, interessa-nos ter receitas que nos permitam pagar a execução das peças e o trabalho dos jornalistas e das jornalistas que aqui trabalham.”
Os números das audiências dos podcasts em Portugal não se comparam com a realidade além-fronteiras. Semanalmente, 62 milhões de pessoas ouvem este tipo de produto sonoro nos Estados Unidos da América.
Ainda que impossível de tomar as proporções americanas, o formato tem vindo a crescer em Portugal e, segundo o diretor do Fumaça, “basta ver os números das audiências dos podcasts de humor”.
Pedro Paulos considera que o meio ainda não está impregnado em Portugal e relembra que quando começou com o Brandos Costumes, “a maior parte das pessoas nem sabia como se ouvia um podcast”.
Atualmente, já se consegue monitorizar as ações das pessoas enquanto ouvintes, nomeadamente em plataformas como o Spotify – que, para além da música, já albergam podcasts.
Para uns, os podcasts foram uma alternativa à rádio. Para outros, uma oportunidade para expandir paixões ou debruçar sobre temas que o jornalismo abandou.
Audiências de Memória
Num mundo cada vez mais digital, as audiências de rádio em Portugal são medidas através do telefone. O método aparentemente anacrónico é o principal indicador para um setor que depende de estudos de consumo e de audiências para sobreviver.
Na linha amarela do metro do Porto, que liga o hospital de S. João a Santo Ovídio, em Vila Nova de Gaia, são poucas as pessoas que não têm os fones nos ouvidos. O que ouvem é impossível saber. Uns, com os dados ligados vão, de certeza, ouvindo música em stream. Mas outros ainda preferem ligar-se às ondas que passeiam no éter.
O horário nobre da rádio é de manhã, entre as 08h e as 10h e ao final da tarde, entre as 16h e as 20h. Coincide com os trajetos casa-trabalho que milhares de pessoas fazem diariamente, principalmente no carro, mas também em autocarros, comboios e metros.
“A rádio em Portugal está de boa saúde e recomenda-se, a escuta de rádio está a subir”. Pedro Leal, diretor geral de produção da Rádio Renascença, viveu o período antes da legalização em 89. Acompanhou o panorama das rádios em Portugal até hoje e mostra-se animado com o futuro do media.
“A rádio neste momento está de boa saúde, é evidente que sofreu com os anos da crise como todos os outros, o mercado de publicidade é cada vez mais baixo e o número de players no mercado é mais ou menos o mesmo – o que quer dizer que tem de ser viver com muito menos dinheiro.” - Pedro Leal
É nos estúdios do Grupo Renascença do Porto que o diretor geral de produção acompanha as notícias recentes e conta as histórias antigas. Pedro Leal acredita que a rádio foi o media tradicional que melhor se adaptou ao mundo digital. Mas não deixa de admitir que há um problema na forma como as audiências de rádio são medidas. “Parece que estamos na pré-história face ao instantâneo do digital. No digital hoje mede-se as métricas de tudo, mas depois vamos para a rádio e temos de esperar dois meses para ter audiências.”
Tirar as medidas a quem ouve
Quando João Porto, coordenador de marketing do Grupo Renascença, começou a trabalhar na Marktest, em 1985, as audiências eram medidas através de entrevistas presenciais. “Na mesma entrevista tentávamos saber a vida das pessoas daquela casa toda. Que tipo de champôs usava, que tipo de programas de televisão via, que rádios ouvia.”
Mas os tempos mudaram e as vontades também. As pessoas deixaram de ser tão permissíveis a abrir as portas dos lares, então começaram-se a fazer entrevistas por telefone.
Até hoje, as audiências em rádio são medidas por telefone. Mesmo vivendo num mundo dominado pela big data das plataformas online, a entrevista a perguntar “ouviu rádio ontem?” ainda é o método com maior peso.
Os questionários do Bareme Rádio – estudo de referência para a rádio – são sempre relativas ao dia anterior, é o método conhecido como Audiência Acumulada de Véspera. Apela-se à memória da pessoa relativamente ao que fez. Ao fazer isso, João Porto explica, “as pessoas recordam-se daquilo que é mais importante” e mais habitual para elas. O que sai fora da rotina é filtrado da memória. “A pessoa não vai ligar nenhuma se passou momentaneamente numa rádio local e ouviu uma coisita qualquer. Se não é o seu hábito ouvir essa rádio local, ela não vai falar dela, porque não se vai lembrar.”
Para o diretor de marketing estratégico, a entrevista telefónica tem a vantagem de apanhar as rotinas das pessoas e apanhar aquilo que é mais relevante para as pessoas.
Mas nem todos apoiam a opinião de João. Luís Oliveira, editor musical e diretor da Antena 3, acha que estas entrevistas não são mais do que “um exercício de notoriedade”.
Apesar de trabalhar na Antena 3 e, como tal, não precisa de ter resultados comerciais, o locutor vê os estudos de mercado como positivos, uma vez que podem ajustar os programas e a encontrar um caminho para o projeto. Contudo, não deixa de frisar que não se deve perseguir desesperadamente uma audiência.
Mas nem todas as rádios têm a contribuição audiovisual.
“É das publicidades que as rádios vivem”, explica Ana Isabel Reis, professora de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto. As rádios dependem da publicidade para sobreviver e a publicidade depende das audiências para saber onde é mais viável aplicar o capital.
“A audiência dita a publicidade. Os investidores vão gastar dinheiro nas rádios que têm audiências” - Ana Isabel Reis.
Uma rádio local, por ter uma área de influência e um público menor, não consegue competir com as grandes rádios, onde os spots publicitários nas horas de maior audiência têm valores perto dos mil euros. Segundo um estudo da Obercom, se a “Rádio Comercial apresenta um valor de 950 euros para a hora mais valorizada, de segunda a sexta-feira, a Cidade FM apresenta um máximo de 300 euros para a hora mais valorizada, no mesmo período”.
Todo este poder que está por detrás dos estudos de audiência não deixa de levantar algumas questões quanto à forma aparentemente anacrónica de medir o auditório das rádios. Ana Isabel Reis mostra-se cética e questiona se “quando mudar a forma de medir audiências de rádio, não vamos todos ser surpreendidos.”
Ao ritmo da palavra
A rádio sempre foi feita por pessoas. Mesmo com a música a pautar o ritmo do éter, ainda são os humanos que a tornam diferente do resto.
Toda a gente já ouviu histórias até adormecer, faz parte do imaginário infantil. O Homem, desde que é Homem, gosta de se sentar à fogueira e ouvir histórias.
Numa altura em que as rádios se assemelham às plataformas de streaming, a telefonia pode diferenciar-se pelo lado humano do uso da palavra.
Na opinião de Luís António Santos, as aplicações de streaming de música vieram alertar os responsáveis pelas rádios que, para o meio sobreviver, “o importante não vai ser a música, porque as pessoas conseguem encontrá-la noutro lugar”.
A disposição dos programas da manhã, que contam com a presença de um grupo de pessoas em estúdio com forte pendor humorístico, são formatos em que a música está menos presente do que estava no início do século.
Para Luís António Santos, “no limite, a rádio vai ter que ser mais talk radio, que é um formato que também já existiu no passado”. A contratação de figuras capazes de atrair a atenção dos ouvintes tem vindo a ser uma estratégia transversal às rádios de maior audiência.
Mesmo na música, a presença humana pode ser a tónica diferenciadora do streaming. Há um ponto comum à maior parte dos estudos de música realizados pelas rádios. Os testes indicam que os ouvintes dão muita importância à variedade e valorizam a surpresa.
“As pessoas não sabem, no fundo, que músicas vão ouvir”, apesar da morfologia das rádios ser à base das playlists, alega João Porto, que continua: “Há rádios que são tão repetitivas que a gente já sabe, quase de certeza, qual é a música que vem a seguir – e se não vier a seguir, vem depois. É verdade, eu também critico isso, mas é a otimização levada ao máximo. São músicas que estão muito em cima em termos de gosto e são aproveitadas ao máximo para elevar as audiências.”
Pedro Portela vê o papel da curadoria como a peça distintiva entre a rádio e o streaming de música, podendo ter a função de “encontrar os projetos que sejam, por alguma razão, mais avant garde, que tenham alguma particularidade que destaque”.
Não são poucas as rádios que vivem de música. Durante algum tempo, essa caraterística tornou-as desumanizadas e demasiado parecidas com o que a Internet tem para oferecer. Tiraram as pessoas das redações. Tiraram as pessoas dos estúdios. Meteram playlists pré-definidas a tocar 24 horas por dia, sete dias por semana.
Mas esqueceram-se do que torna a rádio especial. A rádio tem a possibilidade de surpreender. Enquanto os agregadores musicais tendem a aglutinar os utilizadores dentro dos próprios gostos musicais, a rádio alarga e traz sempre algo de novo para a mistura: o fator humano.
“A rádio tem de ser aquilo que nós somos. A rádio é aquilo que nós somos” - Ana Isabel Reis
Ficha Técnica
Todas as rádios vivem no éter.
Cresci na sombra do Marão, com os pés no Tâmega, mas na adolescência atiram-me ao Minho. Tiro umas fotografias, filmo uns frames. Escrevo umas coisas. Gosto das artes, em especial do cinema, da música, da literatura e da arquitetura. Interesso-me por política, economia e tudo o que implique a sociedade e as ciências sociais. Futuro cientista da comunicação.
Ex-atleta à constante procura da banda sonora dos dias e das noites. Amante de rádio e de música, claro está. Presença assídua em concertos e festivais, tanto em trabalho como em lazer.